Os subordinados questionam a autoridade dele, reivindicam decisões mais ágeis e querem um modelo de trabalho colaborativo. Exercer a liderança hoje é um sonho ruim?
O escritor italiano Italo Calvino disse certa vez que tudo aquilo que escolhemos e apreciamos acaba bem cedo se revelando de um peso insustentável. Calvino se referia às escolhas da vida, mas a ideia ilustra muito bem a atual condição dos chefes.
Liderar nunca foi tão difícil. No âmbito do negócio, o jornalista americano Thomas Friedman foi quem melhor sintetizou, no livro O Mundo É Plano (Editora Objetiva), o desafio que está posto aos gestores.
Segundo Friedman, a globalização integrou os mercados e a tecnologia aproximou as pessoas. Atualmente o que acontece no mundo rapidamente tem impacto no Brasil. Um exemplo: a confirmação do novo presidente chinês, Xi Jinping, no mês passado, foi considerada ótima pelo governo brasileiro.
“Xi Jinping esteve no Brasil [em 2009] e demonstrou interesse em nosso país. A tendência é de ampliação de parcerias e, cada vez mais, de atração de investimentos”, disse o embaixador Tovar da Silva Nunes, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores.
Outro exemplo é o número recorde de profissionais qualificados que chegam ao país vindos de Portugal e Espanha. A crise lá repercute no mercado de trabalho aqui. Também estamos mais expostos a um oceano de informações e novos conhecimentos. Para o líder, essa evolução significou ter de conviver com o sentimento de “Estou perdendo algo?”, que gera insegurança e incerteza.
Dentro das empresas, a cobrança por resultado aumentou. Enquanto esta reportagem estava sendo apurada, dois executivos sondados para a matéria perderam o emprego por não cumprir suas metas. Sérgio Chaia foi demitido depois de seis anos à frente da Nextel.
“Foi um baque”, disse por telefone. Claudia Woods, presidente da Netmovies, locadora de filmes online, foi demitida dez dias depois de dar entrevista à VOCÊ S/A. Ela não fala sobre a saída.
Não bastasse lidar com a pressão que vem de cima, os chefes agora têm de administrar o ativismo dos empregados, que questionam a autoridade dele e exigem decisões mais coerentes. “Vivemos um período sem precedentes em que líderes e subordinados têm quase os mesmos poderes”, disse à VOCÊ S/A Barbara Kellerman, professora de liderança na escola John F. Kennedy, da Universidade Harvard, nos Estados Unidos.
Barbara explica como se deu essa mudança nas mais de 250 páginas de seu livro O Fim da Liderança (Editora Campus/Elsevier), nas livrarias desde o mês passado. Resumidamente, o subordinado é mais bem formado e informado do que no passado. Por isso, não responde mais ao modelo de comando e controle, eternizado no bordão “Manda quem pode e obedece quem tem juízo”.
Hoje, o chefe precisa convencer o empregado de que tem um bom plano. “Os jovens não permitem mais que os gestores sejam controladores e autoritários, exigem que eles sejam facilitadores e que abram caminho para carreiras e oportunidades”, diz Marcio Fernandes, de 37 anos, presidente da concessionária de energia Elektro, que emprega 3 500 pessoas.
O funcionário ganhou poder de influência graças, principalmente, às redes sociais, que permitem criar laços com pares e líderes de todas as áreas que têm interesses em comum.
O capital político dos subalternos aumentou. O profissional também tem atualmente um leque maior de opções de carreira e a possibilidade de vender sua competência online — ele depende menos de seu superior hierárquico. “O chefe hoje é uma pessoa ansiosa e angustiada.
Ele trabalha num ambiente incerto, tem que administrar processos internos burocráticos e precisa responder rapidamente às pessoas, que estão mais exigentes”, diz Luiz Alexandre Garcia, de 47 anos, presidente da Algar, que atua em telecomunicações, agronegócio e turismo, e tem 22 000 trabalhadores.
Ser chefe pode ser o paraíso na terra corporativa se se imaginar que ele faz o plano e não tem de colocar a mão na massa para realizá-lo. O gestor também tem mais oportunidade de influenciar as grandes decisões, de ser o protagonista do jogo. Quem lidera também ganha mais — e um contracheque gordinho cai bem na conta bancária e torna a vida mais fácil. Esses benefícios podem ser considerados a parte leve de ser líder.
Porém, cada um deles exige uma contrapartida. “O chefe deve entregar resultados, precisa estar muito atento ao consumidor, tem de inovar e cuidar das pessoas. É um desafio complexo”, afirma Márcio Utsch, de 52 anos, diretor-presidente da Alpargatas, dona das marcas Topper, Havaianas e Mizuno.
Na fala do executivo-chefe da Alpargatas, são três metas de negócio para uma meta de pessoas. A descrição confirma uma realidade do mercado.
O desempenho econômico corresponde a mais de 80% da meta anual dos gestores com direito a bônus, segundo estudo da consultoria Hays. Uma enorme parcela do peso de ser chefe, portanto, vem da pressão por resultado. Há que se dizer, porém, que eles jamais ganharam tanto como agora — mas até aí os executivos-chefe estão sendo postos à prova. Muitos têm caído.
No primeiro semestre deste ano, houve um aumento de 20% nas demissões de presidentes e diretores, em relação ao mesmo período de 2011, por não cumprirem os objetivos, de acordo com um estudo da consultoria Produtive. É o inferno astral da elite dos chefes. E, se a situação está preta para o presidente, pode ter certeza de que ele passa adiante a pressão.
No nível médio das empresas, os gerentes são os que mais sofrem. Eles trabalham com a pressão por desempenho que vem de cima e precisam ser mais assertivos para lidar com os subordinados. A pesquisa deste ano do Guia VOCÊ S/A – As Melhores Empresas para Você Trabalhar mostra que os funcionários exigem que seus superiores ajam de acordo com o que dizem e sejam coerentes nas decisões.
A informação está baseada nas respostas de 136 381 empregados ao questionário do Guia VOCÊ S/A, que qualifica como líder todo profissional que tem equipe. Este ano, os chefes tiveram a pior avaliação medida desde que a pesquisa do Guia teve início, em 1996.
“As questões relativas à credibilidade e à confiança no chefe são as mais críticas”, diz Ângela Lucas, professora da Fundação Instituto de Administração (FIA) e uma das responsáveis pela pesquisa do Guia.
Segundo Ângela, as metas financeiras mais exigentes estão afetando a relação do chefe com o subordinado. É como se o gestor visse no funcionário apenas um meio para conseguir seu bônus. Sob esse regime de trabalho, em pouco tempo o funcionário fica desmotivado. “O lucro é a base do crescimento, mas ele não pode ser o único propósito de uma organização.
Mais do que antes, as pessoas querem ver sentido no que fazem, e isso vai além da meta financeira do trimestre”, diz Marise Barroso, de 49 anos, presidente da Masisa, que produz painéis de madeira e possui 913 empregados.
Uma nova atitude
Nos séculos 16 e 17, surgiram os primeiros escritos que tratam da relação entre chefe e subordinado, com Nicolau Maquiavel, autor de O Príncipe (1513), e Thomas Hobbes e seu Leviatã (1651).
Hobbes acreditava que todo líder tende a ser autoritário, por isso deveria estabelecer um contrato social com seus liderados. Por esse acordo, os subordinados concordavam em ser mandados e o líder ficava responsável por criar um ambiente agradável para se viver.
Essas premissas continuam valendo, só que, naturalmente, os trabalhadores do século 21 têm outras ambições em relação ao trabalho. “As pessoas têm interesses mais diversos e muito maiores para a sua vida. Obviamente isso impacta o ambiente profissional e as relações de trabalho”, diz Marcelo Araújo, de 50 anos, presidente do Grupo Libra, que atua nos ramos de infraestrutura e logística e emprega 3 287 funcionários.
Qualquer analista de recursos humanos hoje sabe o que quer dizer um contrato social, embora seja mais atual se falar em contrato psicológico, que é uma expressão cunhada em 1978 por Edgar Schein, professor de gestão da escola de negócios do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, o MIT, nos Estados Unidos.
Esse acordo não verbal entre o chefe e seus subordinados dita as regras do jogo e é, no momento, a principal dor de cabeça dos líderes. E eles sabem disso.
“O funcionário não quer mais trocar horas de sua vida por um salário”, diz Marcelo. Ele reivindica maior participação na tomada de decisão, jornada flexível e trabalho colaborativo. “Se esses acordos não forem restabelecidos, as empresas vão ter sérios problemas para atrair os jovens e reter os profissionais mais experientes”, diz Barbara, de Harvard. Em um mercado mais competitivo, com escassez de mão de obra qualificada, esse é um tremendo desafio.
Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, e Jeff Weiner, presidente do LinkedIn: redes sociais aumentaram o poder de influência dos subordinados |
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