Quer saber por que a tática do preço terminado em "99" funciona?
Todo mundo sabe que promoções são truques para nos fazer gastar mais
e que preços terminados em "99" são tática manjada. Mas a verdade é que
elas - e tantas outras - funcionam e nos fazem comprar mais, consumir
mais. E nos deixam mais felizes. Saiba por quê.
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Um fuzileiro naval americano a serviço nas Filipinas quis comprar um
cacho de bananas de um nativo que trabalhava perto da base. O sujeito
vendia um cacho a 10 centavos e três por 35. O marine tentou explicar
que o preço estava errado. "Veja, vou comprar um cacho. Aqui está uma
moeda de 10", explicou. "Vou comprar um segundo cacho, aqui está outra
moeda. Agora quero um terceiro, eis mais 10 centavos. Pronto! Três
cachos por 30 centavos. Mas você queria me vender por 35!" O filipino o
encarou. Parecia não entender. Só com insistência os militares
conseguiram comprar os três cachos por 30. Com o passar dos dias,
convenceram-no a vender três por 25, pois isso impulsionaria as vendas
de banana.
O fuzileiro sentiu-se um gênio. E assim ficou por
semanas, até encontrar o vendedor no centro da cidade - onde vendia o
cacho a 3 centavos.
A anedota reúne algumas das mais populares
práticas aplicadas para definir os preços das coisas. E a ciência busca
compreender, por meio dessas táticas, as relações comportamentais entre
consumidores, vendedores, números e valores para explicar por que esse
relacionamento tem forte carga emocional. Quer ver? Pegue a 2.55, uma
emblemática bolsa da Chanel. Ela pode custar cerca de R$ 6 mil e não
parecer tão cara assim. Como? Nada a ver com o fato de a pessoa do outro
lado da vitrine ser rica ou pobre. A explicação pode estar no caso de
uma mera máquina caseira de fazer pão.
Preço âncora: é tudo relativo
A
Williams-Sonoma, rede de lojas americana especializada em produtos para
a cozinha, vendia uma máquina de pães por US$ 279. Foi um fracasso.
Mesmo assim, lançou uma nova versão, pouco maior, a US$ 429. Novo
fracasso. Mas algo curioso aconteceu: a partir de então as vendas do
aparelho de US$ 279 dobraram. Isso é o que consultores de preço chamam
de ancoragem, fenômeno em que, ao estimar o valor numérico de algo, as
pessoas são inconscientemente influenciadas por outros números
relacionados. Quer dizer, um eletrodoméstico custar US$ 279 pode soar
extravagante. Mas, se o consumidor sabe que a versão um pouco maior é
mais de 50% mais cara, o preço fica mais interessante.
A
ancoragem foi descoberta em 1974 pelos psicólogos Amos Tversky e Daniel
Kahneman - que chegaria a ganhar o Nobel de economia. "Kahneman
contestou a teoria do Homo economicus, ser racional que sempre pensa em
como maximizar seus interesses", diz Alcides Leite, professor de
economia da Trevisan Escola de Negócios. "Pessoas não são tão racionais
assim ao comprar."
Voltando à Chanel: em 2007, ela lançou uma
bolsa de couro de jacaré, toda trabalhada em diamantes e ouro. Um luxo.
Preço: US$ 260 mil. Perto dessa, a 2.55 - que além de tudo é um clássico
da moda, com sua alça de corrente mundialmente imitada - vira
pechincha.
A ancoragem é comum em lojas chiques e restaurantes
caros. O Serendipity 3, de Nova York, tem no cardápio um sundae que
custa R$ 1 580 bem perto de um cheese cake oferecido a R$ 35. Bela
estratégia para convencer a clientela, enquanto espera uma celebridade
aparecer no restaurante, a pagar pela sobremesa quase o preço de um
prato principal.
Mas não é só lugar badalado que usa e abusa da
psicologia dos preços. O prato-feito da esquina também. Muitas vezes ele
o induz a escolher exatamente aquilo que quer que você escolha. Pense
em um filé com fritas. Pequeno, R$ 15; médio, R$ 20; grande, R$ 22. Se a
fome for grande, você tenderá a escolher o maior prato porque
proporcionalmente ele é mais barato. O restaurante pode cobrar menos,
pois a quantidade de comida no prato não interfere tanto assim no custo
(há outras partes envolvidas, como mão de obra, energia elétrica, gás,
água etc.). Cobrando menos, o restaurante o leva a pedir logo o maior
prato. É o chamado "menu induzidor", que faz parte de um conceito
largamente usado para conquistar o consumidor: o preço não linear.
O barato da liquidação
No
comércio de produtos de alto consumo, de meias a detergente, de
camisinha a sabão em pó, é mais comum vermos exemplos notórios de preços
não lineares. Preço não linear é o fenômeno em que o preço final que se
paga não sobe proporcionalmente à quantidade de produtos e serviços que
se leva. É o famoso "compre 2, leve 3". Não ver uma placa com essa
instigante mensagem em ruas comerciais é mais difícil do que achar vaga
em estacionamento de shopping aos sábados.
O preço não linear
está em todo lugar. "Empresas telefônicas oferecem descontos para
ligações de longa distância para reter clientes que poderiam trocá-la
por operadoras locais", exemplifica o economista Robert Wilson,
professor da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, em um de seus
artigos a respeito. Ou seja, você gasta menos aqui para gastar mais ali.
"É uma tática incrivelmente eficaz", diz William Poundstone no livro
Priceless - The Myth of Fair Value (And How to Take Advantage of It) -
inédito em português. "Nenhuma loja pode nos obrigar a comprar 5 pacotes
de sabão. Mas, com as ofertas irrecusáveis da psicologia dos preços,
elas não precisam fazer isso. Em muitos casos, o consumidor econômico é
persuadido a gastar mais, em nome do poupar dinheiro."
O
problema é que você não está necessariamente economizando. "É dinheiro
parado. Você faz estoque, mas esse dinheiro poderia estar rendendo em
outras coisas. É uma decisão racional, só que limitada", explica
Alcides. Outro exemplo: você precisa de 2 pastas de dente, uma para
agora, outra de reserva. A pasta custa R$ 2,50 e a farmácia vende 5 por
4, logo R$ 10. Tentado pela promoção, você resolve comprar o pacote,
gastando R$ 5 a mais. Fez uma boa compra? Possivelmente. Saiu
satisfeito? Talvez.Mas mais feliz ainda ficou o dono da farmácia, que
fez você gastar R$ 10 em vez de R$ 5.
E não venha falar de
cartão de crédito. Aqui a situação piora. "Quando você paga em dinheiro,
sente que ele está te deixando. Com o cartão de crédito, não", explica
Dave Ramsey, espécie de celebridade americana das finanças, no livro The
Money Answer Book (inédito em português). Segundo ele, pessoas que usam
o cartão de crédito tendem a gastar até 18% mais do que as que usam
dinheiro vivo. E o cartão é cada vez mais popular: o volume de
pagamentos com cartões da Visa cresceu quase 25% no ano passado somente
no Brasil.
Mas, se ele nos faz gastar mais, por que aumentamos o
uso do cartão? Simples. Porque é gostoso. Porque gostamos de consumir.
Porque é bom como sexo.
Uma pesquisa realizada pela Universidade
de Westminster, no Reino Unido, mostrou a um grupo de 60 pessoas várias
imagens. Algumas tinham cenas de sexo, enquanto outras exibiam diversos
produtos em promoção. De uma escala de 0 a 10, os dois grupos de fotos
tiveram picos de 7 pontos em uma máquina que mede a excitação pela
dilatação da pupila. Imagens de paisagens, por exemplo, ficaram nos 2
pontos. "Sexo é recompensador, assim como um bom negócio", disse um dos
fundadores da empresa que criou o software usado na pesquisa. Se as boas
compras são boas como sexo, o mercado está cheio de brinquedinhos
estimulantes por aí.
Jeitinho parcelado
Houve
um tempo em que não havia anúncios de produtos à venda por algum valor
terminado em "99". Isso foi em meados do século 19. Com os anos, as
lojas de departamentos americanas passaram a adotar a tática, segundo
Robert Schindler, especialista em comportamento de consumo e estudioso
dos efeitos desse número. Pesquisadores dizem que o preço terminado em
zero é mais fácil de lembrar, por ser um número redondo. Isso fixa o
preço na memória do mesmo jeito que um aniversário de 30 anos é mais
lembrado do que o de 31. Assim, com o preço claro na cabeça, fica mais
fácil pesquisar valores menores e, consequentemente, comprar menos por
impulso. Por isso o "99" é tão presente em anúncios cujo objetivo é
chamar a atenção para o preço. Segundo um levantamento feito por
Schindler, 42,9% dos preços exibidos em propagandas de jornais
americanos terminavam em "99". Uma pesquisa realizada na França mostrou
que a venda de uma pizza subiu 15% ao mudar o preço de 8 euros para
7,99. O que vale é a sensação de pagar menos, não a economia de 1
centavo no bolso. As pessoas não ligam para esses níqueis: em 2005,
britânicos descartaram 133 milhões de libras esterlinas em moedas (leia
mais sobre a moeda de 1 centavo na pág. 40). Aliás, não é só número que
age no inconsciente. Vírgulas e pontos também. Quer dar um lance em um
carro seminovo? R$ 20.000,00 soa maior que R$ 20 mil ou R$20000.
Se
desperdiçar moedas não é hábito exclusivo nosso, tem um que é, sim:
parcelar. "Nenhum país teve inflação alta por tanto tempo como o
Brasil", diz Alcides. "Você pensa no preço da parcela, não no final",
explica. Esse contexto em um país em que a maior parte da população não
tem dinheiro para comprar um eletrodoméstico à vista foi a deixa para as
redes de varejo conquistarem mais clientes com o parcelamento. Dividir é
tão forte no Brasil que até as lojas de luxo, cuja clientela
teoricamente não precisaria parcelar, tiveram que se adaptar quando
chegaram aqui. O Brasil é o único lugar do mundo em que um anel na
Tiffany pode ser comprado em 10 vezes. Assim como um rack nas Casas
Bahia.
Vale quase tudo para vender. Arquitetos projetam grandes
lojas de um jeito que o consumidor tenda a andar no sentido
anti-horário, pois descobriram que os clientes que se movimentam assim
gastam mais dinheiro. Um supermercado constatou que usar música ambiente
francesa aumenta a venda de vinho francês (e o mesmo funcionou para
garrafas alemãs). Parece loucura? Quem é que compra vinho por causa da
música ambiente? E quem presta atenção em música ambiente? Poundstone
resume: "A maior parte das decisões que tomamos no dia a dia, inclusive o
que colocamos no carrinho de compras, não é tão clara assim".
Pague 2, leve 3 e o desbunde da promoção
Quando
o preço final que pagamos não sobe na mesma proporção que a quantidade
de produtos e serviços que estamos levando, temos um exemplo de preço
não linear. Ele é visto mais claramente nos shoppings e nos
supermercados, na forma de "3 itens por 2" etc. Já o "99" é estudado há
décadas por seus efeitos cognitivos. Sabemos que preços terminados em
"99" parecem mais baratos do que realmente são. Mas, mesmo assim,
consumimos mais quando estão na vitrine.
Vinho caro é melhor que vinho barato?
Não
necessariamente. Um estudo diz que o preço influi na percepção de
buquês, aromas e afins. E isso não acontece se o valor cobrado é
desconhecido. Ou seja, muitas vezes o gosto mais marcante de um vinho é o
preço dele.
Preço maior dá a ideia de produto melhor?
Sim.
Exemplo: segundo o autor William Poundstone, etiquetar o chocolate Mars
com um preço e o Snickers com outro, pouco menor, fará o primeiro
vender mais. Se inverter os preços, o Snickers venderá mais. Preço maior
é um atalho cognitivo para a percepção de melhor qualidade.
O segredo dos preços estratosféricos
Olhe
para estas bolsas. Você saberia a diferença de preços só de
observá-las? Pois uma custa 6 vezes mais que a outra, uma diferença de
R$ 7 mil. Ao dar de cara com as bolsas na vitrine, ver o preço daquela à
direita (R$ 8 398) e o tamanho da diferença de preço, de repente a
quantia cobrada pela bolsa da esquerda (R$ 1 375) parece menos
assustadora, não? Isso é ancoragem. Pôr um preço nas alturas para que,
por comparação, não achemos outros bem abaixo dele tão caros assim.
Por que o preço de um gadget cai quando sai o sucessor?
Com
o lançamento de algo novo, como o iPad, consumidores não sabem quanto
ele deveria custar, pois não há com o que comparar. Assim, há mais
liberdade para definir o preço. Alto no lançamento (para fãs) e mais
baixo depois para o resto da boiada.
A garantia de carro nunca dura tanto quanto promete?
Dura
para quem respeita as especificações. Entre as regras mais comuns está a
da revisão. Para não perder a garantia, é preciso fazê-la em
concessionárias autorizadas, onde normalmente o preço de produtos e
serviços é maior. É uma tática para deixar o cliente por perto por mais
tempo. E consumindo mais.
Mais por menos?
Como
uma bermuda com mesmo tecido, da mesma marca, pode custar tanto ou mais
que uma calça? Apesar de o custo de produção ser cerca de 25% menor, a
resposta está na parte de cima, com botões, zíperes, costuras e rebites.
Lá fica o grosso do trabalho. E ainda há a influência da moda, que
estimula a demanda e, na sequência, o aumento de preços. Bermudas podem
estar mais em alta que calças. O preço da camisa xadrez, no auge da
moda, aumentou até 10%.
By Super Interessante
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