A quem interessa a Reforma Tributária? Ou não...
O atual sistema tributário brasileiro é complexo, injusto e
burocrático. Ele ainda incentiva a sonegação e a corrupção. É injusto
porque funciona como se fosse um Robin Hood às avessas: tira dos
pequenos para dar aos grandes. Como seu peso maior se concentra na
produção e no consumo (e não na renda e patrimônio), quem ganha mais,
paga menos.
Uma família com renda de R$ 5 mil por mês tem a carga tributária
total, segundo estudos do Instituto Brasileiro de Planejamento
Tributário (IBPT), de 53,2%. Grandes investidores jamais arcarão com
algo assim, pois a maior parte dos seus recursos está direcionada para
aplicações financeiras e outras formas de poupança (ouro, terras, ações
etc.), e não propriamente o consumo.
Mesmo concordando com o economista Roberto Campos, que afirmava que o
“imposto mais justo não é o que mais redistribui renda (porque a
justiça social se faz melhor do lado da despesa) e sim o que é mais
insonegável e barato na arrecadação”, não dá para aceitar a pressão
tributária sobre as pequenas empresas, enquanto grandes corporações e
instituições financeiras são “desoneradas”.
Além disso, é burocrático demais. Já dizia Mário Henrique Simonsen,
ministro da Fazenda na primeira metade dos anos 1970: “O Estado não tem
poderes divinos (…), tudo o que ele pode fazer é tirar de um e dar para
outro. Nesse processo, diga-se de passagem, há um custo, pois é preciso
nomear pelo menos um funcionário público para operar a distribuição. Ou
seja, o Estado nunca consegue tirar 100 cruzados de um rico e dar os
mesmos 100 cruzados para um pobre. No meio do caminho, parte dos 100
cruzados fica com a burocracia”.
Porém, aqui no Brasil, a burocracia é monstruosa – 5% do valor
arrecadado são tributos municipais, 25% (estaduais) e 70% (federais).
Entretanto, saúde, transporte e educação básica são de responsabilidade
dos municípios. Segurança está na alçada dos Estados.
Então, o governo federal arrecada mais e distribui para os
governadores e prefeitos. Na prática, a maior parte dos “100 cruzados”
arrecadados é consumida pela burocracia pública. Pouco sobra para
investimentos em infraestrutura e atendimento às necessidades básicas da
população.
Tem mais: quem é a favor de um sistema tributário com mais de 50
tributos? Que tem 31 normas modificadas todos os dias, cujo conjunto de
regras forma 11 milhões de combinações de cálculos em impostos? E no
qual há 105 mil alíquotas só no Simples Nacional (que seria, em tese, um
regime para simplificar o modelo tributário)?
Quem quer manter o país como campeão mundial no ranking da burocracia
tributária? Onde amargamos, segundo o Banco Mundial, a pior situação em
custo de conformidade tributária e trabalhista? Acha que as empresas
brasileiras devem gastar nove vezes mais do que as dos outros países,
somente para calcular e demonstrar os impostos? E que é normal você
pagar essa conta, que representa 4% do valor dos produtos (no mínimo)?
Para governadores e presidentes da República, ficar como está é
ótimo. Quanto mais complexo, mais regimes especiais e tratamentos
diferenciados eles podem conceder às empresas ou setores específicos, em
troca de financiamento de campanha. Um sistema simples e transparente
não viabilizaria isso.
Para se ter uma ideia, o Brasil está abrindo mão de um quinto de suas
receitas tributárias, conforme o projeto de lei do Orçamento da União
para 2014. Com isenções, reduções de alíquotas e anistias, o governo
promoveu renúncias tributárias que somaram R$ 170,02 bilhões em 2013, o
correspondente a 21,66% da receita de impostos e contribuições da União.
Para o próximo ano, a estimativa é de R$ 249,8 bilhões, mais do que a
soma de investimentos em saúde (R$ 100,3 bilhões) e educação (R$ 92,4
bilhões). São “desonerações” verticais, e não horizontais.
Enquanto isso, insatisfeita com o crescimento do PIB abaixo do
esperado, de “apenas” 7%, a China suspendeu, desde 1º de agosto, o
imposto sobre o volume de negócios de todas as pequenas empresas do país
com vendas mensais de menos de 20 mil yuans (US$ 3.236), beneficiando
mais de 6 milhões delas e impulsionando o emprego e o rendimento de
dezenas de milhões de pessoas. Um belo exemplo de desoneração vertical.
Não podemos nos iludir. As autoridades tributárias também não têm o
menor interesse na simplificação.
“Quanto mais complicado o imposto, mais lucram as classes
parasitárias. No Brasil, atingimos o máximo de desperdícios com cinco
máquinas arrecadatórias, a municipal, a estadual, a federal, a
trabalhista e a previdenciária”, resume Roberto Campos.
A solução é apontada pelo Banco Mundial, no relatório anual Doing
Business, que afirma que 180 países já promoverem reformas para
simplificação regulatória, nos últimos 10 anos. Isso aumentou PIB, renda
e outros indicadores sociais. Só o Brasil não realiza reformas.
O próprio governo federal sabe da necessidade de uma reforma
tributária. Em 2008, o Ministério da Fazenda publicou um relatório
apontando que o momento era propício para a reforma, porque o país
precisa aumentar a competitividade e a Nota Eletrônica fornece um banco
de dados macroeconômico para análise de perdas e ganhos no caso da
aplicação das mudanças tributárias.
Roberto Mangabeira Unger, ministro de Assuntos Estratégicos do
governo Lula, afirmou que o grande problema do Brasil é que, em vez de
pagarmos com os impostos o preço da civilização, “pagamos pelos juros da
dívida pública interna, pela salvação de banqueiros e empresários
falidos e pelos salários e aposentadorias de funcionários que
administram aparato público bloqueado”.
Mas então, por que a reforma não sai do papel? Porque os maiores
interessados, os cidadãos (que pagam caro por tudo que compram no país e
não o básico de saúde, educação, transporte, moradia e segurança) e os
empresários não pressionam o Congresso e os chefes do Executivo. Enfim,
se queremos um sistema tributário justo, simples e eficaz, teremos de
nos mobilizar!
É fundamental, às vésperas de um ano eleitoral, que as instituições
promovam debates sobre o tema. Conselhos Regionais de Administração e
Contabilidade, OAB, Instituições de Ensino Superior, Sebrae, Associações
Comerciais, Câmaras de Dirigentes Lojistas, Federações do Comércio e
Indústria e sindicatos e organizações que defendem as pequenas empresas,
precisam liderar essa discussão em cada município do país.
Mas sem a mobilização da sociedade, certamente os interessados na
manutenção desse manicômio tributário farão de tudo para perpetuá-lo.
Administradores.com
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